Nos dias 24 a 26 de agosto, as cidades de Belo Horizonte e Contagem receberam a visita do grupo carioca Militantes em Cena, que apresentou a peça teatral Marx Baixou em Mim, cujo subtítulo é Uma Comédia Indignada. Os locais das performances foram sedes das seguintes entidades: SinproMG, Corecon e Clube dos Metalúrgicos. A obra de Howard Zinn – no original, Marx in Soho, traduzida ao idioma português por Tereza Briggs – é adaptada, dirigida e interpretada por Jitman Vibranovski.
Conforme o argumento, Karl Marx, já no além, indignado com a concentração de riqueza e a deturpação de suas ideias, pede para voltar à Terra. Tem permissão para “baixar” durante uma hora. Então aproveita para discorrer com humor sobre a sua vida, a sua família, os seus amigos e as contradições que a todos atingem. O espetáculo permanece em cartaz há seis anos, com inúmeras apresentações em diversos espaços. Antes da Região Metropolitana de Belo Horizonte, ocorreu em São Paulo, Paraná, Bahia, Paraíba e, obviamente, Rio de Janeiro. Também foi apresentado em Portugal.
Jitman Vibranovski – 77 anos, 50 de carreira – participou de peças, filmes e novelas. Em 2014 ganhou o Prêmio de Melhor Ator na Festa Internacional de Teatro de Angra, com Silêncio, de Renata Mizrahi. Por 30 anos foi Jesus na Paixão de Cristo – Arcos da Lapa, Semana Santa. Fez Kiss me Kate e O Violinista no Telhado, produzida por Charles Moeller e Cláudio Botelho, bem como Bodas de Sangue e Édipo Rei, dirigidas respectivamente por Amir Haddad e Eduardo Wostsik. Na TV, atuou em minisséries como Dois Irmãos e Sob Pressão, além de novelas no SBT.
O portal Vereda Popular o entrevistou. Leia abaixo.
VP – Como foi construir o personagem Marx, tão citado e pouco compreendido?
JV – No início do trabalho fiquei muito preocupado com isso. Como construir um personagem tão conhecido? Depois relaxei. Fiz o “meu” Marx. Como eu sou o “cavalo” do espírito dele, o Marx tem que ter, necessariamente, o meu corpo, o meu jeito de me movimentar e a minha voz. Como consequência, a encenação traz um Marx humanizado e contemporâneo.
VP – Fale sobre a tournée de Belo Horizonte e Contagem.
JV – Foi um encontro afetivo, artístico e político. Fiz três apresentações ao todo. Costumo avaliar a apresentação a partir do debate que se segue. E os três foram bem ricos. O de Contagem, apesar de um público menor, foi especialmente emocionante. Em Belo Horizonte, tivemos as casas lotadas nas duas apresentações. Quero agradecer a todos os mineiros que me receberam especialmente ao Guilhermino, de quem partiu a ideia da excursão, ao Alexandre Salles, que praticamente me carregou no colo o tempo todo, e à Miriam Gontijo, mineira moradora do Rio, que operou o som em Belo Horizonte.
VP – Após cada espetáculo, abre-se um debate. A manifestação da plateia tem surpreendido?
JV – Sim. Tenho por princípio não conduzir o debate. Deixo o público conduzir pelo caminho que mais lhe tocou. Também procuro não opinar e quando me fazem perguntas tento fazer com que o próprio público responda. A não ser, claro, que seja uma pergunta sobre o processo teatral. Aliás, esse é o objetivo principal do Militantes em Cena, grupo que dirijo. Estimular o debate e o pensamento crítico.
VP – Como foi a criação do grupo teatral Militantes em Cena, e como sua trajetória se consolidou ao serviço dos valores democráticos e da liberdade de expressão?
JV – Quando fomos ameaçados – e depois consolidados – pelo golpe contra Dilma, eu me juntei ao movimento Teatro pela Democracia. Mas achei que devia fazer mais. Em 2017 consegui reunir uma turma de atores e não atores. O único requisito para entrar no grupo era estar indignado com a situação do Brasil. Desde o início temos como bússola o poema do Brecht “O analfabeto político”. O que tentamos é fazer com que as pessoas entendam a importância da conscientização política. A primeira peça foi Marx baixou em mim. Depois veio uma pequena peça, que escrevi: a Puta que Pariu, Brasil, que falava das agruras no governo Temer. Depois, montamos uma adaptação de K. Relato de uma Busca, de B. Kucinski, que fala sobre a procura de um pai, pela filha desaparecida política durante a ditadura militar. Depois adaptamos A Classe Média no Espelho, de Jessé Souza. Veio a pandemia e passamos para o teatro virtual. Foram mais de 100 apresentações, assistidas por pessoas não só do Brasil, mas também do exterior. Atualmente estamos com Oito de Janeiro – teatro documentário.
VP – O título de Oito de janeiro já sugere o conteúdo, mas o que podemos esperar da abordagem?
JV – Quando eu vi aqueles vídeos das pessoas nos acampamentos em frente ao quartel, depois comemorando a depredação em Brasília e ainda sendo presas, senti que ali tinha muito material teatral. Apenas transcrevi o texto e o colei em uma série de cenas numa montagem crítica, que pudesse levar o público a uma reflexão. No início achamos que tínhamos que montar a peça rápido, porque era sobre um fato pontual que poderia ser esquecido rapidamente. Depois compreendemos a importância de não esquecer o dia 8 de Janeiro, assim como não podemos esquecer 1964.
VP – Você tem participações no Cinema e TV, compartilhou trabalhos com importantes atores ou atrizes e esteve sob a direção de conhecidos diretores. Como se deu a passagem do ator a diretor de um grupo teatral engajado em temas relevantes para o povo brasileiro?
JV – Continuo trabalhando no Teatro e na Televisão. Acabei de fazer três novelas. Já que desde 2013 não se morre de tédio no Brasil, precisei encontrar um lugar para expressar minha indignação.
VP – Karl Marx só usa o “cavalo” Jitman Vibranovsk, ou convive com esse homem real no cotidiano?
JV – Cada vez mais acho que a peça fala menos do Marx e mais sobre a questão da injustiça social. Aliás, é por isso que ele pede licença no além para vir dar uma palestra na Terra. E com esse sentimento de indignação eu convivo diariamente. Como diz sempre Betina Viany, uma atriz do grupo, “não podemos nos acostumar”.