Quando estava prestes a se realizar o 6º Fórum Acadêmico do Brics, no Rio de Janeiro, às vésperas de março/2014, o portal mantido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada republicava um texto elaborado pelo Ministério das Relações Exteriores. O título era Conheça os Brics – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A matéria começava com a seguinte observação, valorizada na condição de “ideia”: o acrônimo foi elaborado “pelo economista-chefe da Goldman Sachs, Jim O’Neil”. De fato, as letrinhas estavam presentes no seu estudo Building Better Global Economic BRICS, 2001, e se fixaram como vulgata nos ambientes administrativos, empresariais, comunicacionais e acadêmicos.

Quem acredita no papel demiúrgico das formalidades, mais ainda, na determinação primeva das “sacadas” retóricas, que anote um evento “miraculoso”: em 2006, o “conceito deu origem a um agrupamento […] incorporado à política externa” das nações. No mundo real, porém, são interesses da geopolítica e da economia que importam em avaliações calcadas minimamente na realidade. Já entre os anos 2003-2007, o crescimento conjunto feito pelos cinco países representara 65% na expansão do PIB internacional, superando à época os EUA ou a UE, nos termos de capacidade compradora, e chegando em 2010, pelo mesmo critério de paridade, a cerca de US$ 19 trilhões ou, aproximadamente, a 25%.

Desde os tempos da velha unipolaridade – questionada, mesmo que ainda fosse predominante – até hoje, o mundo girou, deu voltas. Vem afirmando-se uma nova ordem multipolar, em que os cinco associados pontificam na condição de uma força inconteste, a ser forçosamente considerada. Basta lembrar os encontros bilaterais recentes, no final de julho, que Dilma Rousseff – chefe do New Development Bank (NDB), mais conhecido como “Banco do Brics” – manteve com dois presidentes, Putin e Ramaphosa, da Federação Russa e África do Sul, respectivamente. Na pauta estavam temas relevantes, como a incorporação de novos membros à instituição bancária para o fomento econômico e social.

Claro está que o assunto atinge uma esfera mais ampla, que já é ventilado e será pautado na próxima Cúpula dos Brics, marcada para este agosto em Joanesburgo. Trata-se da própria dilatação do rol pertencente ao Brics, ponto que por enquanto suscita polêmicas mais ou menos públicas. Mais de 40 novos governos manifestaram o desejo de ingressar, visando a compensar ou arrefecer a hegemonia imperialista norte-atlântica, mormente a estadunidense, na existente correlação de forças planetária. Todavia, em 2/8/2023, Peskov, porta-voz do Kremlin, após colocar em primeiro plano a sugestão – “é um tópico muito importante” –, reconheceu que as posições dos membros têm “nuances”.

Também manifestou que o “interesse no grupo Brics é indicativo” de seu “grande potencial e autoridade crescente”. Mais notável: de sua ”natureza prática”. Concomitantemente, a tass.com se referiu a um chamado “sul global ansioso para embarcar no trem do Brics”. A Rússia revelou, pois, ser favorável. A China, com a discrição milenar de sua diplomacia, julga o alargamento auspicioso e o reforçou no apelo de Hanhui, embaixador em Moscou, 3/8/2023: “Insistimos em que a Otan […] se abstenha de se mudar para a região da Ásia-Pacífico”. Ambos miram o quadro mundial e os desafios da nova ordem geral em preparação. Eis porque relacionam o binômio Brics-NDB ao contencioso em marcha.

Tais palavras parecem música para os atentos e disponíveis ouvidos africanos. A Índia, com as suas dúvidas, prefigura uma vacilação cada vez mais suave, ao que tudo indica sinalizando que a resistência é contornável. Por seu turno, a diplomacia do Itamarati se mostra inquieta e tendente à conservação, conforme indicam declarações colhidas em fontes anônimas pela célebre agência Reuters. Há, conforme o semifuxico, autoridades mais preocupadas em manter a coesão entre os participantes atuais, assim como em preservar o espaço e a influência brasileiros, sem as incômodas celeumas da cena global, do que afirmar um caminho estratégico e consolidar o campo adequado à sua efetivação.

Tal postura tem características de pequeneza, exclusivismo e particularismo, receita infalível para o isolamento. Alguns veem a instituição de quase 18 anos mais como convênio restrito, quiçá um lobby de poucos, mais parecido com certa espécie de G-7 alternativo aos muito ricos. Mas, em vez de condenar-se a ser um condomínio de amigos mesquinhos, o Brics precisa crescer, acolhendo a maior parcela do mundo, para se tornar um campo abrangente, respeitado e poderoso. No pouco tempo que resta, cabe ao Palácio do Planalto agarrar firme o leme, decidir o rumo e corrigir a rota, para que o País assuma o protagonismo e desconjure o risco de quedar-se à margem das questões cruciais.

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