Por Simão Zygband*—

O bárbaro assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL/RJ) fez uma radiografia da ação de grupo de extermínio existente na PM carioca, de policiais selecionados, dentro das corporações (inclusive de bombeiros), composta por maus elementos que enlameiam a função, servindo como matadores de aluguel a serviço das milícias.

Este conluio entre ex-militares, que se dispuseram a eliminar a parlamentar, por que era autora de projetos de habitação popular que atrapalhavam os interesses das milícias, é o que há de mais pernicioso na política nacional. Envolve gente graúda, deputados, magistrados, agentes da segurança pública, que passam a desenvolver atividades ilícitas e se valem de qualquer expediente para alcançar seus objetivos, inclusive a eliminação física dos adversários. São grupos dos mais perigosos assassinos.

Marielle foi fuzilada juntamente com o motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018, quando o veículo deles foi abordado pelos assassinos por volta das 21h30, na rua Joaquim Palhares, no bairro do Estácio, na zona Oeste. Ronnie Lessa portava uma mini-metralhadora desviada do Bope. Foram efetuados 13 disparos, dos quais 9 acertam a lataria do carro onde estava a vereadora. Ela foi atingida por 4 tiros na cabeça e Anderson levou ao menos 3 tiros nas costas.

A ação criminosa não teve a presença de nenhum civil. Todos eram policiais ou ex-policiais militares, frutos podres das corporações em que “prestaram serviços”. Vergonhosa ação de não apenas dar proteção como também de efetuar trabalhos sujos para a milícia. Eram PMs o próprio delator e motorista participante da ação, Élcio Queiroz (ex-PM), o suposto executor o sargento reformado Ronnie Lessa, o  contratante da operação, o ex-sargento Edimilson Oliveira da Silva, conhecido como “Macalé”, e o responsável por fazer “campana” e seguir os passos de Marielle, Maxwell Simões Corrêa (ex-bombeiro), conhecido como Suel. Tudo boa gente (sic).

Macalé morreu em ação de queima de arquivo, em quem foi “dado baixa” em 2021, numa avenida da zona Oeste do Rio de Janeiro. Era exatamente ele o elo entre os mandantes e os executores do assassinato. Foi ele quem contatou o assassino de aluguel, arrebanhado dentro da própria PM, Ronnie Lessa, por uma obra do destino vizinho do ex-presidente Jair Bolsonaro, no insuspeito condomínio Vivendas da Barra. Lessa, amigão do Jair, se incumbiu de formar o resto da quadrilha.

Quem é Ronnie Lessa

Ronnie Lessa já foi homenageado pela Assembleia Legislativa e Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. A “glória” veio dos tempos em que trabalhava no 9º Batalhão de Polícia Militar, em Rocha Miranda, onde os PMs ganharam fama entre os moradores como “Cavalos Corredores” (sabe-se lá por que). Ele recebeu uma moção de gratidão conferida pelo então deputado estadual Pedro Fernandes, supostamente por “boas ações prestadas à comunidade”.

Em 1999, Lessa fez Estágio de Aplicações Táticas, um curso de especialização da corporação, passando depois pelo 14º BPM, em Bangu, e pelo 16º BPM, em Olaria. Foi homenageado na Alerj. Em 2001, veio a segunda homenagem. Dessa vez, por meio do então vereador Pastor Paulo Mello, ex-pastor da Igreja Universal.

As investigações do assassinato de Marielle já haviam levado a Polícia a suspeitar que Lessa seria o autor dos disparos fatais contra a vereadora. A delação de Elcio Queiroz o coloca como o principal acusado do crime até o momento.

Também se soube, através da delação de Queiroz, que a arma utilizada no crime é uma submetralhadora desviada do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), tropa especial da polícia militar do Rio de Janeiro, desviado do acervo da corporação durante um incêndio.

Élcio Queiroz tem foto abraçado com Jair Bolsonaro (abaixo). Segundo a revista Veja, a foto teria sido feita em 2011. Foi postada no Facebook do PM.

A odisseia do clã Bolsonaro possui dois Queiroz em seu suspeito vínculo com a rede de paramilitares e milicianos. Não é certo que, apesar do mesmo sobrenome, tenham algum grau de parentesco, mas certamente deveriam se conhecer das andanças pelos batalhões da PM. As “tranqueiras” se atraem. Ambos atuavam na zona oeste carioca. As relações de Flávio Bolsonaro com as milícias se iniciou logo no seu primeiro mandato como deputado estadual no Rio de Janeiro. Gostava de vender a imagem de político defensor dos “guerreiros fardados” (sic).

Fabrício Queiroz, ex-policial militar, entrou na história dos Bolsonaros pelas portas da frente, como principal articulador dessa rede de apoio dos PMs ao mandato do deputado primogênito do ex-presidente. Queiroz foi fundamental para ajudar a fortalecer a base de votos do clã nos batalhões policiais. Foi ele que levou Flávio em vários deles, em sua primeira campanha, para pedir votos.

Segundo a revista Brasil de Fato, Flávio se notabilizou adotando a pauta antidireitos humanos com projetos de lei em defesa da polícia e com homenagens a seus integrantes. Por sugestão do pai, Flávio entregou inúmeras medalhas a policiais, mesmo àqueles flagrados em ações suspeitas. Durante seus quatro mandatos na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Flávio Bolsonaro aprovou 495 moções e concedeu 32 medalhas a policiais militares, policiais civis, bombeiros, guardas municipais e membros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

“As primeiras homenagens ocorreram ainda no primeiro ano do mandato de Flávio Bolsonaro, no dia 27 de outubro de 2003. O sargento Fabrício Queiroz estava entre os laureados e recebeu uma moção de louvor e congratulações concedida pela Alerj. A estrela principal, contudo, foi Adriano Magalhães da Nóbrega, policial que carregava na bagagem a marca da caveira do Bope e a parceria com Queiroz nas vielas da Cidade de Deus. Na homenagem, havia ainda sete integrantes do Grupo de Ações Táticas do 16º Batalhão de Olaria, onde Adriano passara a trabalhar poucos meses antes”, revela a revista Brasil de Fato.

Ronnie Lessa morava no Vivendas da Barra, o mesmo condomínio onde Jair Bolsonaro e Carlos Bolsonaro têm imóvel. A filha de Ronnie Lessa, inclusive, teria tido um namoro com Renan Bolsonaro. Pelo menos é o que ele conta.

O laureado por duas vezes pelo então deputado Flávio Bolsonaro foi exatamente o ex-policial militar Adriano Magalhães Nóbrega, em quem também “deram baixa” na Bahia, em operação suspeita da polícia local, em 2020. Ele já estava “pedido”. Era acusado de liderar o Escritório do Crime, organização criminosa de milicianos composta inclusive por ex-policiais. Nóbrega também esteve envolvido no esquema das rachadinhas, laranja que devolve parte dos recursos para o deputado.  Ronnie Lessa, ao ser preso, atribuiu o assassinato da ex-vereadora Marielle Franco ao grupo de matadores de aluguel comandado por Nóbrega. A conferir.

Publicado originalmente no site Construir Resistência.


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