Assim termina o dístico popular: “…com ferro será ferido”. Agora, o protagonista infeliz da história foi Deltan, um antigo promotor e ainda um cidadão apetrechado com as peripécias jurídicas restantes. A parelha de versos, que alude mediante o senso comum a uma dita relação de causa-efeito à paga do mal com a desgraça igual ou maior – seja por alguma suposta lei de bronze natural, seja pela ilusória justiça que na sociedade humana “tarda, mas não falha”, seja pela presumível ação divina logo após a morte ou no fórum final, seja pela pura ou simples vingança profana dos feridos –, parece realizar-se de novo.
Na verdade, pode-se compreender o fato lançando-se mão de analogias formais: o carrasco de ontem, que negou às vítimas o direito constitucional do inalienável trânsito em julgado, hoje se vê na situação de clamar pela mesma garantia. Melhor ainda com mais um provérbio, desta feita baseado na certeza de que nada substitui “um dia depois de outro”, essa constatação empírica da primeira lei na dialética segundo a qual tudo se movimenta. Na verdade, são eventos sucessivos da política, inclusive dos procedimentos estatais como espécies do gênero em que se traduzem as lutas entre as classes ou frações.
Nada mais, nada menos, embora o imaginário possa conceber as lógicas metafísicas. Mesmo assim, deve-se conter a personalização dos eventos políticos, método que deseduca e tira o foco dos interesses ou disputas reais em jogo. Todavia, o portal Vereda Popular faz mais uma exceção, aos lembrar o nome do verdugo curitibano, por dois motivos. Inicialmente porque, bem ou mal, se tornou, com Moro, símbolo da malfadada “Operação Lavajato”, tristemente célebre por encenar o maior escândalo de lawfare acontecido no Brasil, servindo à extrema-direita e objetivamente coadjuvando a reação bolsonariana.
Depois, porque o desafortunado, por motivos que a sua imprevisão desprezou, restou no epicentro, como réu condenado pelo TSE, de uma disputa pela hegemonia. Dallagnol associa um evento no Parlamento Federal – vez que o mandato foi cassado – com eventual recurso ao STF e a cruzada missionária contra o campo democrático-progressista. Ligou, pois, com a cara de bom moço, várias dimensões da política, imbricadas com a única finalidade que adotou e pela qual se moveu: atacar os anseios do povo, as liberdades básicas de conjunto, a soberania do Brasil e os adversários na política.
Nada lhe sobrou além de obrar o jus sperniandi, latinismo tão falso quanto sua postura como funcionário de uma instituição pública prevista, constitucionalmente, como auxiliar da Justiça. O coitado, cercado pelo apoio de ultraconservadores, teve a cachimônia de atribuir o seu infortúnio – leia-se, a goleada por sete ministros a zero – à perseguição política: “Eu perdi o meu mandato porque eu combati a corrupção; e hoje é um dia de festa para os corruptos e um dia de festa para o Lula.” Esconde, pois, a tentativa de burlar uma lei ao pedir a exoneração como procurador para deter as investigações interiores ao MPF.
Em contraposição que mostra o esfacelamento progressivo no bloco da “ética na política” – dedicado a transformar o contencioso de classes, intrínseco à formação econômico-social burguesa, em meros desacordos morais de indivíduos sobre os procedimentos governamentais e parlamentares –, o ex-juiz eleitoral Márlon Reis, à esquerda, um dos responsáveis pela chamada Lei da Ficha Limpa, considerou a decisão “profundamente fundamentada”. Mais à direita, porém, o ex-ministro e jurista Miguel Reale Júnior, que pontificou durante o impedimento presidencial de Rousseff, viu “arbítrio” na sentença.
Já Lira, que nunca demonstrou fascínio pelo tema da moralidade – ou pela “Ética”, ramo da filosofia rebaixado a mera norma comportamental na conduta – limitou-se a declinar o rito formal, dizendo que tudo passará pela Corregedoria da Câmara e o deputado se beneficiará do direito à defesa, mais, sem dúvida nenhuma, do que o acusado reservou aos desafetos. Até porque sabe, como especialista no assunto, que os colegas dificilmente serão polarizados pela bancada minúscula do Podemos, mormente para desafiar o acórdão judicial. O próprio PL será cativado pela chance de obter a 100ª vaga na Casa.