O título do Editorial explora uma contradição. Ao se referir, especificamente, ao assalto em 8/1/2023, contém uma verdade: fracassou. Além de ficar longe de atingir o seu propósito – trocar o regime político democrático pela ditadura militar repaginada como autocracia personalizada –, foi contida no mesmo dia por forças reduzidas e sem opor maior resistência. Na manhã seguinte, os seus executores imediatos já estavam dispersos e majoritariamente presos. Ademais, o saldo acabou desastroso para os arruaceiros, de vez que isolados na sociedade civil e repudiados na sociedade política. Por fim, sem conseguir mobilizar grandes massas, expuseram o esqueleto falangista, que agiu apartado em face da opinião pública e do próprio bloco eleitoral configurado pela reação bolsonariana.
Todavia, conforme a Marx legou Hegel, “a verdade é o todo”, e o todo em nada se confunde, metafisicamente, com a inércia e a fixidez. Trata-se de uma essência que se conclui mediante o desenvolvimento. A batalha travada no domingo foi perdida pelos aventureiros; porém, a oposição sistemática só terminará com sua derrota completa. Vale dizer: ao fim da guerra suja tantas vezes anunciada nos discursos e ações dos conspiradores, além de sempre denunciada nas resoluções do PRC e nas páginas do portal Vereda Popular, como, aliás, seria captado por qualquer grupo de segurança. Os feitos criminosos – vários de autogolpe e a primeira de golpe – ruíram, mas a essência da extrema-direita em desenvolvimento mostrará os seus dentes novamente, na finalidade inconclusa.
O recurso a leis universais e abstratas para captar processos complexos, deixa uma brecha para o subjetivismo e a simplificação. Recentemente, creditou-se a operação a serviços estrangeiros, que de fora conceberam e perpetraram um Maidan brasileiro, em que a Casa Branca, o Estado e a CIA, norte-americanos, teriam objetivos confusos. Assim, o foco da resistência democrática sairia da reação interna. Outra versão, também idealista, pelo menos tem a vantagem de centrar fogo na cúpula – operando nas sombras – das esquadras que depredaram os recintos físicos das instituições que articulam o regime constitucional. No entanto, afunda-se no fenômeno personificado em demiúrgicos e maléficos indivíduos. Ambas omitem ou secundarizam os fundamentos sociais do ataque.
Que o imperialismo estadunidense, por interesse geopolítico próprio, e que a ultrarreação interna, por compulsão antipopular, antinacional e antidemocrática, sempre conspiram e agem nos conflitos, é um truísmo que os revolucionários todos sabem. Mas o processo real e a origem estão longe da pretensa causa sui numénica, transcendental e hostil ao concreto. Localiza-se no alicerce objetivo das lutas entre as classes ou frações e suas complexas derivações políticas. Marx e “o segundo violino” descobriram que a determinação, em última instância, reside na “produção e reprodução da vida real” – Engels, Carta para Bloch. Para liquidar o aparato golpista organizado e armado, enfraquecido, mas intacto, é preciso examinar os carecimentos subjetivados nos “de cima” e “de baixo”.
Durante as três crises conjunturais, desde o segundo Governo FHC, a estagnação afetou a população inteira, inclusive a massa de capitalistas e de pequeno-burgueses remediados, sem amparo nos critérios de ajuste real no salário mínimo e assistência compensatória. Eis o terreno para o qual o extremo-direitismo, servil aos monopólios financeiros, dirigiu a campanha de agitação, inicialmente oposicionista e depois na situação. Em 2019, a transição permitiu que o protofascismo – difuso e policéfalo – disputasse os valores, dirigisse a coerção e ganhasse o pleito presidencial. Em 2023, sem o primeiro mandatário que possibilitava o automotim, decidiu-se pelo confronto nas condições concretas: com seus destacamentos fascistas, mas isolado por cima e sem maior apoio de massas.
Os falangistas vivem a síndrome de Odilon Barrot – “La legalité nous tue” –, citada por Engels na Introdução a “Lutas de Classes em França de 1848 a 1850”. A iniciativa é urgente nos eixos centrais de luta e governo. A punição dos envolvidos no putsch por ação, cumplicidade ou negligência, inclusive os quinta-colunistas nos corredores oficiais. A mobilização dos setores populares como conjunto, sem preconceitos, para uma resistência extraparlamentar e extrapalaciana de massas, em sintonia com a política de frente ampla organizada. Muito além das medidas protetivas para os mais pobres, a realização de políticas universais, que beneficiem as classes populares como conjunto, assim como desobstruam os entraves monopolista-financeiros e retomem o desenvolvimento nacional.