Do primeiro ao último dia de sua passagem pelo Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro nunca escondeu a sua pretensão prioritária: utilizar-se do Governo Federal e do aparato estatal sob o seu controle para desfechar um autogolpe, visando a liquidar o regime democrático regulado pela Constituição de 1988 após o fim do ciclo ditatorial-militar. Fez tudo ao seu alcance para realizar tal pretensão antinacional, antipopular, autocrática, obscurantista e regressiva. Todavia, suas manobras foram barradas pelas lutas na sociedade civil e na sociedade política.
As forças democráticas superaram, em boa parte, o oposicionismo fragmentado e pontual, conseguindo avançar para uma aliança ampla, que afinal se consubstanciou no movimento Vamos Juntos pelo Brasil. Graças aos entendimentos, acordos e alianças efetivados – tanto nas iniciativas de massas, quanto durante o processo eleitoral no primeiro e no segundo turno – a crescente unidade dos partidos políticos e das entidades representativas, inclusive de outros setores sociais consequentes e responsáveis, barrou a reeleição do candidato a ditador.
A frente ampla, mesmo sem a necessária organicidade para além de chapas e candidaturas, possibilitou a derrota da extrema-direita no sufrágio. Ademais, garantiu a transição ao novo governo, a diplomação mais a posse dos eleitos e a base de apoio inaugural da gestão Lula-Alckmin. O revés frustrou o comando falangista que, recusando-se a acatar o resultado das urnas e temendo a responsabilização pelos seus crimes, acoitou-se nos EUA. Da Flórida, insuflou, organizou e dirigiu as suas hordas para desfechar uma violenta tentativa golpista.
No domingo último, oito de janeiro, esquadrões previamente organizados atacaram e invadiram os órgãos do Estado burguês que articulam e regem o atual ordenamento democrático da vida política brasileira. A depredação das sedes administrativas dos “poderes” executivo, legislativo e judiciário foi gestada na interdição de rodovias ou avenidas e no assédio aos portões de quartéis. Para tanto, contou com a displicência, a prevaricação e o apoio ostensivo de agentes públicos, que os estimularam e lhes inculcaram a ilusória certeza do êxito iminente.
Sublinhe-se que o financiamento providenciado pelas frações mais reacionárias do capital monopolista-financeiro sustentou a articulação territorial de quadrilhas milicianas, agrupamentos em CACs, militares reformados, grupelhos fascistas de várias cataduras e segmentos lumpens recrutados a soldo, estimulando-os a executar uma versão local e aperfeiçoada do Capitólio estadunidense. O objetivo do ataque era criar o caos político-social como clima para a intervenção inconstitucional das Forças Armadas, prometida por cúmplices e anuída por fanáticos.
O governo constituído legal e legitimamente precisa ser defendido, sem reservas e com energia, contra quaisquer tentativas de desestabilização, inviabilização ou destituição. Sem uma frente ampla estruturada e autônoma – capaz, pois, de exercer o protagonismo para além de cargos e funções públicas – a liquidação imediata do assalto fascista ficou centrada nas instituições e ações “por cima”. Semelhante limite já foi apontado pelo Comitê Central do Partido da Refundação Comunista – PRC – mediante a sua resolução aprovada em 27/11/2022:
“Nessa perspectiva, a frente ampla precisa formalizar-se, organizar as suas instâncias e instaurar um funcionamento regular de caráter nacional. O mesmo deve acontecer em cada estado, cidade” e esferas de “intervenção. Assim, poderá ser um espaço efetivo e permanente de consensos, em torno de iniciativas e ações político-práticas nos seus diversos níveis, na sociedade civil, principalmente o movimento de massas, e nos” ambientes “institucionais, mormente os parlamentos e processos eleitorais, inclusive os próximos pleitos municipais.” Tarefa-chave.
Mais do que nunca, urge a união das forças, dirigentes ou militantes democratas e progressistas desta ofendida Nação, para a defesa coesa do regime democrático, da legalidade constitucional e dos interesses populares emergenciais, independentemente das opções eleitorais. Um dos pontos mais cruciais e urgentes é a investigação, o esclarecimento dos fatos e a punição, tão rigorosa quanto exemplar e didática, dos envolvidos no putsch por ação, cumplicidade, negligência ou omissão, incluindo os conspiradores que circulam em corredores oficiais.
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