Tayana Juvêncio—

“Não tem nenhum livro que diz que, para uma preta, estudar feminismo pode ser uma tarefa infeliz. Enquanto as brancas lutavam sem medo pelo direito de trabalhar por elas, nossas bisas acordavam cedo e passavam as roupas delas, cozinhavam as comidas delas, lustravam os móveis delas e cuidavam das crianças delas. No feminismo acadêmico, um mar de onde me levou… a sufragista veio firme, mas a minha bisavó não votou. E até hoje eu me confundo, tentando entender a treta: não votou por que era mulher ou não votou por que era preta?” Luciene Nascimento em Tudo nela é de se amar (p. 23 e 24).

No último dia 25 de Julho, completou-se 30 anos do primeiro encontro de Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas, realizado na República Dominicana. A função desse encontro foi, majoritariamente, denunciar o racismo e o machismo vivido de forma tão intensa por essas mulheres e fazer-se ouvir dentro de um contexto onde a violência de gênero e racial é imperativo.

No Brasil, nessa mesma data, durante o primeiro governo da presidenta Dilma Rousseff (2011-2014), se acrescentou uma data de reflexão com o “Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra”. Tereza de Benguela, considerada a Rainha negra do Pantanal, foi uma líder quilombola e, sob sua liderança, a comunidade negra e indígena resistiu à escravidão por duas décadas, sendo portanto um símbolo de luta e resistência do povo negro.

Dados estatísticos da mulher negra no Brasil

Além dos preconceitos de raça e gênero, a mulher preta vive um recorte de classe muito problemático no Brasil, um país em que cerca de 54% da população é negra, segundo os dados mais recentes do IBGE. Essa mesma população também é majoritariamente a população mais pobre e esses dados pioram quando olhamos para as mulheres negras: de acordo com o Nexus Brasil, antes da pandemia, 33% das mulheres negras estavam abaixo da linha da pobreza e, em 2021, essa taxa subiu para 38%.

No caso das mulheres negras em extrema pobreza, a taxa de 9,2% subiu para 12,3%. Nas taxas de violência esses números também são bastante assustadores, pois além de sermos as que mais sofrem feminicídios, as mulheres negras também somos as que mais sofrem assédios. De acordo com a pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com o DataFolha, 66,6% das vítimas de feminicídio em 2020 foram mulheres negras, enquanto as brancas foram 33,1% das vítimas.

Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021 e do relatório Violência Contra Negros e Negras no Brasil de 2019, produzidos pelo FBSP, mostram que entre 2017 e 2018 mais da metade das mulheres vítimas de estupro eram negras. Para Sandra Ornellas, diretora do Departamento Geral de Atendimento à Mulher da Polícia Civil do Rio de Janeiro, esses dados validam a prática, o dia a dia do que é visto nas delegacias cariocas e a pesquisa. ‘“No Estado, temos o Dossiê da Mulher, e vemos reiteradamente que quase 80% [das vítimas de violência, incluindo sexual] são mulheres negras [pretas e pardas] e pobres. A colonização e a escravidão, assim como o patriarcado deixaram marcas, e elas permanecem fortes”’, afirma”. (Trecho de entrevista para Revista Marie Claire em Novembro de 2021)

De acordo com dados de 2019, das mulheres que sofrem mais assédio, 40,5% são pretas; 36,7% pardas e 34,9% brancas. Das mulheres mais agredidas na rua, 32% são negras e 23% brancas. E a maior dificuldade dentro desses dados é o fato de que esses números podem ser ainda maiores, visto que dentre as que procuram os órgãos oficiais para denunciar, apenas 21% são mulheres negras.

Mulheres, Raça e Classe”

Ângela Davis, em “Mulheres, Raça e Classe”, aponta sobre a importante da intersecção quando falamos da mulher preta e aponta para os legados da escravidão na nossa vida social, econômica e política. Dentro de uma analogia pessoal, eu diria que, se “a mulher é a proletária do proletariado”, a mulher preta seria o lumpemproletariado, que corresponderia ao grupo do proletariado em situação de máxima exploração e marginalização.

Nascemos marginalizadas e provavelmente, enquanto nada mudar, morreremos também assim, pois o racismo se apresenta como ideologia fundamental para o desenvolvimento do capital. A luta da mulher negra latino-americana e caribenha só terá fim quando o capitalismo tiver. O Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha tem assim a sua importância não por uma questão meramente identitária, mas pelas especificidades de nossa inserção na sociedade capitalista ontem e hoje, na divisão social do trabalho, dando contornos próprios às nossas necessidades enquanto grupo social.

Marielle Franco, vereadora carioca negra, LGBT e socialista, nos deixou um belíssimo legado de luta e da importância de lutarmos pelos espaços de tomada de decisão e pela existência da mulher preta, não apenas resistência!

Avante, camaradas!

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