O título acima reutilizou a expressão – “Nancy, a doida” – que Donald Trump adotou para criticar o pouso aventureiro de Pelosi em Taipé, 2/8/2022. O roto vitupera o esfarrapado. A delegação encabeçada pela parlamentar que preside a Câmara dos Representantes norte-americana concluiu a sua provocação no dia seguinte, com a pressa de um relâmpago: a estudada e anunciada intromissão nos assuntos internos da China já tinha sido realizada em 19 horas. O tempo foi mais do que suficiente para desencadear danosas e perigosas consequências. O Exército Popular de Libertação (PLA) lotou as regiões militares vizinhas com armas – navios e aviões – e munições para manobras de fogo real.
A política externa estadunidense, de ambiguidade intencional e cínica, viola os acordos estabelecidos no governo de Nixon, que reconheceram o caráter indivisível do gigante asiático, e também a realidade consolidada em 1945 com a derrota integral do Japão, que resultou no retorno de Taiwan para o seu berço ancestral, fato consolidado formal e juridicamente por tratado de paz – São Francisco, 1951. Note-se que, dois anos antes, o fim da guerra civil encantoara o general Chiang Kai-Shek, sobrando-lhe o refúgio consentido na velha Formosa colonial portuguesa. Os seus próprios partidários se declararam como sede administrativa legal, sublinhando e repondo, pois, o território completo.
A diplomacia apostólica de Biden procurou, milimetricamente, separar-se de sua face mais agressiva. No entanto a fortaleceu por recusar-se a desautorizá-la e por lhe fornecer um avião com bandeira oficial. Em decorrência, nem conseguiu consenso interno e muito menos no mundo fragmentado. Ignorando protocolos e decisões da ONU, que desde 1971 veem nos dirigentes acreditados em Pequim a única representação com assento no Conselho de Segurança, os USA colocam mais um complicador na já tumultuada e grave situação internacional. Para percebê-lo, basta ler as primeiras páginas dos principais sites chineses, que nesta semana estão cheios de matérias duras sobre o ato hostil.
Na última quarta-feira, 3/8/2022, o Editorial do Global Times – A visita de Pelosi a Taiwan será rasgada pela história como papel usado – constatou a ocorrência de “um fenômeno comum na comunidade internacional […]: aqueles que alguns políticos norte-americanos alegam apoiar estarão em apuros.” Depois, recriminando a “violação dos sérios compromissos políticos de Washington com a China”, perguntou, severamente: “Onde está a credibilidade nacional dos USA?” Na sequência, denunciou que a visita colocou a ilha “em um barril de pólvora” e funcionou “quase como um cinzelamento”, além de repreender o propósito eleitoreiro por fixar “os olhos” nos “benefícios políticos domésticos”.
No dia seguinte, 4/8/2022, o novo Editorial – O Partido Democrático e Progressista tem que engolir por algum tempo os frutos amargos da visita de Pelosi a Taiwan –, apresentou a dimensão do exercício bélico em curso. A mobilização abarcou seis áreas marítimas. Conforme as informações, “O Comando de Teatro Oriental […] despachou mais de 100 aviões de guerra e sua Força de Foguetes lançou ataques […] a leste da ilha”. Segundo a mídia taiwanesa, “mísseis Dongfeng foram disparados em águas ao norte, leste e sul”. Por fim, o texto esclareceu a principal consequência do passeio pelosiano: “criou condições favoráveis à formação do padrão estratégico conducente à reunificação.”
Hoje, no mundo multipolar, é impossível conceber a paz internacional sem levar em conta os interesses defensivos da Federação Russa e o princípio de apenas uma China. Kissinger, cujos serviços prestados e a fidelidade ao imperialismo são indiscutíveis, continua reiterando que o seu “realismo diplomático” tem mais serventia do que os arroubos missionários. Pela maioria dos países, Taiwan é considerado como parte inalienável do mesmo território continental e o governo vigente na República Popular da China como a instituição estatal que representa o conjunto. Para os maus entendedores, as operações militares do PLA provam que o intervencionismo precisa considerar os sinais da vida real.