Crise, ultraliberalismo e demagogia, eis a tríplice constante que agora compõe uma equação de apenas duas incógnitas – o resultado nas urnas e a opção autogolpista –, em função das quais se move o primeiro mandatário. A demagogia ganha uma luminescência tropical quando a fobia sem limite à derrota em outubro se torna o vale-tudo. A chefia falangista e a sua base fisiológica, propondo ao Congresso a PEC no 1/2022 – que aumenta ou institui certos auxílios diretos e indiretos a setores sociais –, deram cavalo-de-pau no discurso neoclássico sobre o teto nos gastos públicos, sem desconstituí-lo juridicamente.
As oposições, quase unanimemente, votaram no Senado em favor da iniciativa. Diga-se: não só por sensibilidade política – respondendo à manobra desesperada com adequada consideração à situação complexa –, mas também com a convicção de que as medidas, por sobre a desfaçatez governista, correspondem às necessidades populares imediatas e amenizam o desastre provocado pela política vigente nos recentes anos de predomínio conservador e regressivo. No entanto, a dança dos contrários – que incendiou a vida nacional amargurada e carente – acontece no salão da crise no Brasil e no mundo.
No referente à seara interna, os editoriais do portal Vereda Popular já explicitaram exaustivamente a falácia da recuperação econômica, que retorna com a publicação pontual do “crescimento” e da “ocupação”, para esconder a concavidade ainda sobreviva e a combinação da precariedade com a queda nos salários. Concomitantemente, no exterior, as grandes adversidades nos países da UE se ampliam e se apresentam pari passu aos sinais de longa depressão nos EUA, sobretudo a tendência de retração iminente, vinculada cada vez mais às tentativas oficiais frenéticas de controlar o processo inflacionário.
O Federal Reserve, com sua política mais agressiva do que as comumente aplicadas, vem alimentando rumores na mídia especializada e no ambiente monopolista-financeiro, conforme os quais o baque futuro seria certo. Fala-se, também, que o prelúdio seria o pior desempenho dos investimentos em ações nas últimas décadas, sem falar da sempre misteriosa confiança dos “consumidores”, mergulhada em mínimos recordes. O próprio e insuspeito Jerome Powell – presidente no FED – declarou que o seu propósito básico é “reduzir a inflação para 2%” e que a recessão é “certamente uma possibilidade”.
Ato contínuo, as taxas de juros experimentaram o maior aumento nas três últimas décadas. O S&P 500, referência de Wall Street para muitos fundos de ações, havia perdido 20% no fim de junho, ao fechar o pior semestre para os títulos estadunidenses desde 1970. Paralelamente, a desvalorização monetária chegou a 8,6 % em maio, a maior nos derradeiros 40 anos. A disposição de frear desagrada, certamente, ao povo norte-americano. As massas sentem que o aumento nos preços dos empréstimos provocará demissões, além de tangir a reprodução metabólica do capital para o entorno do abismo.
Segundo Powell, a principal economia imperialista pode resistir “à política monetária mais rígida”. Muitos economistas, porém, sabem que a paralisia virá. Considerem-se também outras vertentes, como as possíveis consequências da guerra ucraniana – custos em ascensão na compra de petróleo, alimentos e fertilizantes. Nesse quadro, aqui, a “ofensiva” palaciana é um recuo, filho do conúbio entre o temor dos protofascistas, o conselho dos marqueteiros, o pragmatismo do “Centrão” e a cessão de Guedes, sob a pressão gerada pelos “de baixo”. Quanto à duvidosa eficácia eleitoreira, será vista em três meses.