Por PRC—
O rebatimento da crise no terreno nacional – com os efeitos da Fase Depressiva da atual Onda Longa pela qual passa o capitalismo em âmbito mundial – se agravou com as recorrentes ameaças autocráticas, a submissão aos ditames do capital financeiro internacional, a aplicação do receituário neoclássico de cunho ultraliberal, o comprometimento à soberania e, mais recentemente, a tentativa de deter a inflação mediante o bloqueio ao desenvolvimento nacional.
O País enfrenta um desemprego persistente, o crescimento da inflação, o abandono de políticas industriais ou infraestruturais e as ações danosas de um governo federal que ignora as necessidades concretas da população. No fim de 2021 havia mais de 12 milhões de desempregados e, aproximadamente, 5 milhões de desalentados. Daqueles que tinham emprego, 7,4 milhões eram subocupados e 34 milhões estavam sem direitos trabalhistas, o equivalente a 35% dos ocupados.
Os postos de trabalho abertos vêm sendo acompanhados pela redução salarial e falta de proteção legal. A queda no valor real dos salários e a política monetária restritiva desaquecem a demanda interna, mantendo a estagnação. A situação é ilustrada pelos preços dos produtos que formam a cesta básica e do transporte, que subiram mais do que a inflação oficial.
Junto com a tragédia do desemprego, as condições de vida entre a população vêm deteriorando a olhos vistos. O poder de compra das famílias brasileiras é reduzido pela carestia que solapa os salários a cada mês e constantemente. O INPC atingiu 1,73% em abril, chegando ao maior índice para o mês em 27 anos, e somou 12,03% nos últimos dois semestres.
Em abril de 2022, os salários deveriam ter sido reajustados em 11,7% para que pudessem compensar as perdas inflacionárias dos 12 meses anteriores. Porém, nada menos do que 47,7% dos trabalhadores tiveram reajustes inferiores à inflação, 36,6% conseguiram somente uma recomposição salarial e apenas 15,8% conquistaram reajustes superiores ao INPC de 2021.
Com a crise multilateral que assola o País – ciclo econômico estagnado na concavidade, inflação em alta com a correspondente carestia, juros estratosféricos, desemprego paralisado em alto patamar, bate-cabeças entre as instituições que materializam o regime democrático e ensaios autogolpistas –, o Governo Central ignora ou sabota as medidas que poderiam minorar o sofrimento popular e garantir uma retomada no desenvolvimento econômico-social. Dessa forma, Jair Bolsonaro deixa mais claro que a sua prioridade é seguir a escalada autogolpista, para salvar o projeto entreguista, reacionário, ultraconservador, antipopular, obscurantista, ditatorial e autocrático.
Essa é a origem de seus ataques permanentes a instituições do Estado relacionadas à garantia das liberdades e dos direitos democrático-civis, bem como o motivo pelo qual sempre colocou, como seu alvo, os comunistas, os revolucionários, os democratas, os patriotas, os progressistas, os humanistas e todas as forças ou indivíduos que lhe fazem oposição – incluindo muitos que já serviram a seus propósitos.
Para cumprir seus objetivos, o presidente-miliciano busca acumular forças no expediente de aprofundar a crise político-institucional aberta desde o dia de sua posse, instrumentalizando o Governo da União – inclusive a Chefia das Forças Armadas –, açulando as suas hordas extremo-direitistas, pregando a destruição do regime democrático, chantageando o País e colocando em xeque, desde já, o resultado das urnas.
Aprofunda-se a oposição ao governo dos falangistas
O aumento planejado da agressividade retórica, das provocações, das chantagens e das agitações liberticidas, fez com que o tema do autogolpe saísse das sombras. Deixou, assim, de ser uma mera especulação de críticos para se tornar um tema de aberta discussão, ainda que repleto de eufemismos enganosos e mitigadores.
São cada vez mais recorrentes os debates e posicionamentos de entidades da sociedade civil, a exemplo de sindicatos e demais organizações populares, assim como de associações empresariais, OAB, CNBB e outras instituições, religiosas ou laicas. Da mesma forma, membros de órgãos estatais – como as Forças Armadas, o Congresso Nacional e o STF, neste caso até com denúncias internacionais – falam frequentemente sobre o assunto. Somam-se ao coro as inumeráveis opiniões de “cientistas”, analistas e editorialistas políticos de conglomerados atuantes na comunicação, além das chamadas redes sociais.
Dos embates contra a Ação Penal 470, a partir de 2005, até as eleições de 2018 – inclusive os quase quatro anos de resistência à extrema-direita e ao ultraliberalismo –, foram extraídas muitas lições. Percebendo o risco que representa o atual governo de Brasília para o povo brasileiro, as forças democráticas de diversos matizes ideológico-doutrinários vêm, há algum tempo, atuando unificadamente em diversas frentes.
Da luta popular, a exemplo do movimento sindical, aos parlamentos, como na CPI da Pandemia e nos embates para aprovar propostas de interesse popular, a ação comum mostrou ser o único caminho capaz de deter as pretensões do candidato a tirano e as suas políticas. Graças a tal unidade foi possível barrar várias medidas draconianas e promover avanços, com algumas relevantes conquistas, no Congresso Nacional.
Erradicadas as ilusões em uma interrupção precoce do mandato presidencial – via renúncia, deposição ou impedimento –, assim como percebida a urgência de se resolverem os impasses vividos na sociedade civil e na sociedade política, inclusive nas instituições do Estado Burguês, a crescente radicalização promoveu, na prática, a antecipação da disputa eleitoral. Ademais, deixou claro que a campanha e o pleito serão dos mais tensos e radicalizados da história brasileira.
Para além das diferenças, o propósito comum de colocar um fim no Governo Bolsonaro, gerado na experiência político-prática dos oposicionistas, aplainou as dificuldades e desbravou o caminho para a construção de uma frente ampla. Soam, pois, atuais as palavras de Marx – Nova Gazeta Renana, 29/6/1848, A revolução de junho: “[…] as lutas sobre a forma de estado são sem sentido, ilusórias, nulas? […] Os conflitos que surgem nas condições da própria sociedade civil devem ser combatidos, não fantasiados. A melhor forma de estado é aquela em que as contradições sociais não fiquem mascaradas pela violência, tão somente artificiais e, pois, aprisionadas em suas aparências. A melhor forma de estado é aquela em que elas lutam livremente e assim chegam a uma solução.”
Nesse diapasão, o movimento Vamos Juntos pelo Brasil consubstancia uma linha de aliança eleitoral entre os democratas e progressistas. Portanto, já reúne boa parte das condições para impor uma derrota à extrema-direita em outubro. Expressa um espectro que vai de marxistas, passando pela socialdemocracia tradicional ou atualizada como social-liberalismo, até correntes burguesas preocupadas com as liberdades, a questão nacional, o desenvolvimento econômico e a problemática social, chegando mesmo a preocupações com a própria sobrevivência política dos componentes.
A tendência, reiterada até aqui por todas e cada uma das pesquisas, é o confronto direto, já no primeiro turno, entre a chapa de Bolsonaro e a encabeçada por Luis Inácio Lula da Silva. Sendo assim, o Vamos Juntos pelo Brasil e a chapa Lula-Alckmin merecem o apoio militante e o envolvimento direto de todas as pessoas comprometidas com os destinos do País e do nosso povo, sobretudo as organizações partidárias e os militantes integrados à luta pela superação do capitalismo. Dada a inserção do Brasil na divisão internacional do trabalho e a geopolítica mundial, a derrota da extrema-direita tupiniquim interessa à humanidade.
Eis o motivo pelo qual o Partido da Refundação Comunista manifesta o seu apoio integral e unilateral à chapa Lula-Alckmin e ao movimento Vamos Juntos Pelo Brasil. O PRC participará das iniciativas e estará nos espaços de campanha, incluindo os comitês eleitorais, buscando sempre garantir e ampliar a unidade conquistada até aqui. Ademais, trabalhará, junto com os aliados para articular uma mobilização de massas a partir das necessidades e anseios das camadas populares, visando à sustentação popular da frente ampla.
Preparar-se para uma disputa ainda mais dura
A polarização, tão temida pelos setores conservadores ou aqueles alheios ao perigo fascista e as agruras vividas pela população, vai lançando à margem da disputa política real as pretensões partidárias particularistas, as veleidades personalistas e as ambições carreiristas, a exemplo do que ocorre com o divisionismo esquerdista, com certas candidaturas oposicionistas e com algumas “celebridades”, inclusive as tentativas de salvar a autoproclamada terceira via com os cacos do União Brasil, MDB, PSDB e Cidadania.
Todavia, é preciso ter consciência sobre o que representa um inimigo dotado de um discurso mentiroso, demagógico e dito “antissistêmico”, que especula com problemas cotidianos e sentimentos da população, que mantém uma militância fundamentalista e uma base de massas sectária. A reação bolsonariana é formada por gangues paramilitares, por grupos de militares ultraconservadores, pela fração mais reacionária do capital e por uma parte das máquinas eleitoral-parlamentares tradicionais, que mantém uma fidelidade clientelista e fisiologista em todos os níveis. Nem de longe a vitória oposicionista está assegurada.
Torna-se necessário manter a guarda alta, refinar os procedimentos táticos e preparar meticulosamente os meios para enfrentar uma das mais tumultuadas, agressivas e polarizadas eleições no Brasil. É imprescindível, portanto, manter distância de provocações, abandonar as bravatas e abdicar de confrontos inadequados, o que nem de longe significa cair na timidez, na pusilanimidade ou na covardia.
Urge ainda abandonar a pregação ufanista de que a disputa será contra um adversário desgastado e isolado, de que haverá um deslocamento mecânico-natural das massas populares em direção às forças oposicionistas e de que os cidadãos finalmente compreenderão os danos causados ao Brasil pelo miliciano “enlouquecido” ou “desclassificado”. Em suma, de que os eleitores agirão sempre segundo um juízo reflexivo e um imperativo moral dos seres humanos racionais ou de “bem”.
Expressando a luta real de classes no seu patamar mais elevado, as disputas políticas, incluindo as eleições, passam pelas culturas, consciências e anseios existentes, nos níveis necessários e possíveis em cada correlação de forças. A reação bolsonariana, exercendo-se no complexo dos embates cotidianos e das contendas hegemônicas emoldurados na crise conjuntural de quase oito anos, exprime os interesses da fração mais reacionária do capital monopolista-financeiro e do imperialismo. Ademais, consegue manter-se consolidada nas camadas inferiores do capital e relativamente imbricada com os “de baixo”, inclusive os setores superiores do proletariado, mas notadamente entre os estratos mais disponíveis do lumpesinato, do campesinato e da pequena burguesia urbana.
Os sete partidos de oposição – a Federação Brasil Esperança, formada pelo PCdoB, PT e PV, a Federação PSOL-Rede, o PSB e o Solidariedade – que se uniram têm agora a tarefa de se tornar o polo dinâmico na construção orgânica do Vamos Juntos pelo Brasil. De mais a mais, precisam buscar a ampliação política de seus apoios e consolidar tal movimento como Frente Ampla. Todas as iniciativas devem subordinar-se à realização do objetivo tático central: isolar ao máximo o bolsonarismo para lhe impor a derrota mais dilatada possível.
Portanto, a aliança deve reunir o conjunto das forças avançadas e oposicionistas do País, visando a proteger o regime democrático, deter o anunciado autogolpe, garantir a realização das eleições – incluindo o respeito ao resultado das urnas e posse dos eleitos –, derrotar as forças situacionistas e sustentar os futuros governos democráticos, que serão alvos de provocações e tentativas de desestabilização com o possível despejo da extrema-direita no Palácio do Planalto.
Para além da composição inicial, o Vamos Junto para o Brasil deve abrir-se, desde já, a novos entendimentos, incorporações, composições e acordos. Destaca-se a importância de atrair alas e segmentos de outros partidos em nível estadual e local, que estejam em conflito com suas direções nacionais inclinadas ao bolsonarismo. Adicionalmente. deve-se preparar desde agora para um eventual segundo turno. Tal provimento passa por um pacto entre as candidaturas oposicionistas para se garantirem tratamentos respeitosos, debates de alto nível, abandono de agressões e apoio ao postulante oposicionista restante no returno.
Ressaltando o papel que os entendimentos estaduais jogam no fortalecimento da disputa nacional, é necessário apoiar os postulantes majoritários que derrotem, ou melhor, que acumulem condições de derrotar o protofascismo em cada unidade da Federação, buscando articulá-los com o Vamos Juntos Pelo Brasil e a chapa Lula-Alckmin. O mesmo deve ser feito em relação a candidaturas proporcionais.
Alargar a frente oposicionista para garantir a vitória
Um movimento desta envergadura, composto por forças políticas díspares, que em muitos casos guardam uma história de conflito entre si, exige a unidade em torno do objetivo comum, a preservação da autonomia programático-ideológica de cada partido e o funcionamento regular de todos, bem como o rechaço ao aparelhamento da campanha por agremiações, grupos ou candidaturas. Assim será possível elevar o patamar da unidade, fortalecer as correntes partidárias e evitar as querelas doutrinaristas que quase sempre levam ao sectarismo, quando não à paralisia. Nas campanhas, é necessário combinar as conquistas de governos anteriores com os exemplos presentes e compromissos futuros.
A síntese política mais adequada e que melhor representa as necessidades do momento é uma plataforma consensual, publica e clara de ação, de formulação enxuta e com compromissos diretos, acompanhados de medidas de curto, médio e longo prazo. Assim será possível reencontrar o lugar do planejamento no desenvolvimento econômico-social e abrir espaços à participação democrática.
Tal plataforma tem que exprimir a posição da chapa Lula-Alckmin com as seguintes diretrizes: preservação e alargamento do regime democrático; soberania do Brasil; defesa do patrimônio, das riquezas, da identidade e da cultura nacionais; melhoria as condições de vida do proletariado e demais classes populares. Deve ser também um instrumento eficaz para a mobilização popular, tanto para o processo eleitoral em curso como para os embates posteriores, qualquer que seja o resultado das urnas.
O fascismo, como qualquer outra corrente política, é um fenômeno que surge e tem suas determinações na sociedade civil, com derivações e ligações na sociedade política. De modo nenhum é um evento exclusivo da esfera política stricto sensu e muito menos das instituições estatais. Para enfrentá-lo é urgente uma mobilização social ampla, unitária, plural, consciente e determinada.
As classes, camadas sociais, entidades e instituições componentes da sociedade civil têm que encarar suas responsabilidades, assumir o papel de protagonistas insubstituíveis que lhes cabe, utilizar e forjar métodos próprios de luta, sem se deixar instrumentalizar ou aparelhar. Devem participar ativamente da disputa em curso. Já tarda a constituição de uma mesa nacional em defesa do regime democrático, do processo eleitoral e da posse dos eleitos.
Por cima das divergências, à Mesa caberá propor e dirigir ações comuns de mobilização nacional, para garantir o êxito das eleições e as liberdades fundamentais – de reunião, expressão, imprensa, ensino, informação e comunicação –, bem como os direitos políticos, como de manifestação e expressão, de votar e ser votado, de mandatos democraticamente constituídos e inviolados, de livre organização e funcionamento de organizações populares ou partidárias.
Tomando como exemplo as experiências similares – como a luta contra o finado regime ditatorial-militar de 1964, assim como as campanhas pelas Diretas Já e pela Constituinte – à Mesa devem ser convidadas múltiplas personalidades e instituições, proletárias e de outras classes populares, da cidade e do campo, profissionais, empresariais, científicas, educacionais, religiosas, culturais, além de entidades de mulheres, jovens, estudantes, artistas, das populações indígenas e de combate ao racismo e outras manifestações de opressão ou discriminação. Também devem ser convidados todos os partidos políticos e candidatos majoritários disponíveis à participação.
A Mesa de unidade democrática terá tanto melhores condições de influir nos destinos do País quanto mais avançar na mobilização social conjunta, na sua abrangência e na sua diversidade político-ideológica, preservando a autonomia das entidades. Diante dos ensaios autogolpistas, prometidos ou realizados, a exemplo do acontecido em sete de setembro passado; o Bicentenário da Independência se converteu em uma data de extrema relevância na disputa em curso.
O Dia da Independência, com o fim do colonialismo, e a criação do Estado brasileiro precisam assumir, sob a coordenação da Mesa, o caráter de uma Jornada Nacional de Luta em Defesa do Regime Democrático, da Soberania e das Eleições. Para tanto, precisam ser desde já programadas atividades conjuntas em todo o território nacional, capitaneadas pela iniciativa unitária das entidades, partidos e candidatos oposicionistas que se disponham a participar dos eventos e convocá-los.
Brasil, 13-15 de maio de 2022,
Comitê Central do Partido da Refundação Comunista – PRC/Brasil