O chefete falangista que hoje ocupa o Palácio do Planalto intensificou, intencionalmente, na quinta-feira, 21 de abril, durante a tarde, a grave crise político-institucional que implantara e que vem mantendo no Brasil. O instrumento foi a concessão da graça individual – uma espécie de indulto personificado – ao deputado Daniel Silveira. O réu havia sido condenado – na véspera, em seção do STF – a oito anos e nove meses de prisão, pelo com nada menos que dez votos a um, acusado por crimes de ameaça objetiva, reiterada e visível ao regime democrático e suas instituições, inclusive o STF e seus ministros.
O ato arbitrário tem significados claros. De início, expõe a identidade político-ideológica e cultural entre o perdoado e o criminoso, réplica da criação divina que gera seres à sua imagem e semelhança. Depois, transforma o Governo Federal em um bunker de onde a extrema-direita planeja sua guerra contra os desafetos, agora com a linha operacional centrada nas instâncias nacionais do Judiciário. Por fim, pratica o já célebre intento autogolpista não só para fazer ameaças, como também para testar limites legais, desautorizar o exercício de competências indesejadas e preparar o ambiente para um putsch.
Os considerandos que pretendem justificar o Decreto são perfeitos exemplos de manipulação e desfaçatez. Alegam “que a prerrogativa presidencial para concessão de indulto individual é medida fundamental à manutenção do Estado Democrático de Direito, inspirada em valores compartilhados por uma sociedade fraterna, justa e responsável”. Todavia, o seu conteúdo, em vez de favorecer tais noções, informadas pela doutrina liberal e cheias de bons anseios genérico-abstratos, apenas fazem pisoteá-las, pois servem para o retorno ao regime ditatorial-militar repaginado como autocracia pessoal.
Também afirmam “que a liberdade de expressão é pilar essencial da sociedade”, mas unicamente para desviar o foco da matéria em tela. O acórdão emitido pelo STF se refere ao Código Penal, que, no seu artigo 71, dispõe sobre a tentativa para impedir o livre exercício dos chamados “Poderes”. Igualmente apena o réu com base no artigo 344, que tipifica o crime de coação: recurso à “violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade […] em processo judicial”. Diga-se de passagem, ambos receberam ônus adicional por serem da modalidade “continuada”.
Na sequência, mais um argumento pretexta o cínico zelo pelo “mecanismo tradicional de freios e contrapesos, na tripartição dos poderes”, lembrando princípios constitucionais adotados no Brasil. A malfadada peça tem apenas o propósito espúrio de negá-lo, a serviço da fração mais reacionária do capital monopolista-financeiro. Aliás, tal condição está no cerne do protofascismo bolsonariano, do qual Daniel Silveira é uma figura típica, mais ainda explicitada pela companhia com que os filhos do Presidente o tentaram proteger desde o início do processo e durante o julgamento na Corte Suprema.
Depois, uma frase infla o talante mandatário na “concessão de indulto individual”, lembrando a sua decorrência “de juízo integro” e compatível com “hipóteses legais, políticas e moralmente cabíveis”. Todavia, o próprio discurso apenas expõe a iniciativa intempestiva e vazia de objeto, pois desencadeada antes que o processo transitasse por completo em julgado. Assim, transparece a manobra preventiva, que aposta na força coercitiva e no impasse, além da infidelidade ao princípio da impessoalidade, obrigatório na coisa público-administrativa, pois de pronto favorece um interesse de alcova e grupal.
Por fim, o arrazoado lembra “que ao presidente da República foi dada a missão de zelar pelo interesse público”, já que “a sociedade encontra-se em legítima comoção”. Alguma pessoa, fora do círculo conspirador e sectário do continuísmo, acredita que a “graça” presidencial foi motivada por “interesse público” e que a “sociedade encontra-se em legítima comoção”? Mais uma vez resta patente que só a unidade ampla da oposição democrática e progressista deterá o novo capítulo do retrocesso pretendido. Cabe ao STF, instado por recurso, conter a provocação bruta, sob a pena de se desmoralizar.