No dia 24 de fevereiro serão comemorados, no Brasil, os 90 anos do voto feminino. Tal conquista foi resultado necessário de uma longa luta popular, com apoio de uma fração burguesa-liberal, pelo sufrágio das mulheres, como dimensão imanente à reivindicação de sufrágio realmente universal, que no território pátrio possui marcos históricos indeléveis. Já na elaboração da primeira Constituição posterior à Monarquia, em 1890, surgira uma proposta “sufragista”, no ano seguinte retomada como Emenda Constitucional por 30 congressistas. O pleito, sem lograr sucesso imediato, ampliou e fortaleceu em muito as múltiplas formas de manifestação advindas e reiteradas no curso da Primeira República.

Em 1928, pela primeira vez, o Rio Grande do Norte aprovou legalmente o voto feminino, aproveitando as brechas de que à Constituição Federal faltava uma proibição explícita e no artigo 17 da Lei Eleitoral potiguar, sancionada em 1926, constava o direito “sem distinção de sexos”. A vereda fora desbravada pelas mulheres que, logo após a proclamação da República, exigiram espaço para participar das eleições, aproveitando-se de que o critério imperial, censitário, julgara dispensável vedá-lo por julgá-lo desnecessário em face da lógica patriarcal culturalmente fática e institucionalmente implícita. Em 1927, Celina Viana peticionou à Justiça no RGN, alcançando a vitória e se tornando a pioneira.

No seu rastro, milhares de mulheres, organizadas no movimento sufragista nacional, pressionaram os “Poderes do Estado”. Coube a uma estudante mineira, próxima do ambiente jurídico por escolha profissional, um entendimento astucioso: a proibição do voto feminino violava o artigo 70 da Constituição promulgada em 1891, em vigor, que o garantira, inclusive o deixara fora do § 1º, que dispunha sobre as vedações. Obtendo a permissão por Mandado de Segurança em 1928, virou personagem de Carlos Drummond: “Mietta Santiago / loura poeta bacharel / conquista […] / direito de votar e ser votada / […] e acende […] / a suspeita de que Minas / endoidece, / já endoideceu: o mundo / acaba.”

Vargas, em plena Revolução de 30 e no combate à tentativa oligárquica de restauração, liquidou as restrições. O Decreto no 21.076/1932 pôs no Código Eleitoral, artigo 2º, a conceituação de eleitor como “cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo”. Tal critério, compatível à presença feminina crescente na reprodução do capital, ficou na Constituição de 1934. O fato cristalizaria o diploma legal, nunca o inverso, na demonstração, conforme o princípio fundamental na filosofia, de que o ser precede a consciência e a sociedade civil constitui as instituições do regime político, na dialética da práxis, como há quase 80 anos, em Glosas Críticas Marginais…, Marx elucidara para criticar o politicismo.

Comprova-se, também, a insignificância do complexo viralatista: o sufrágio feminino em certos países antecedeu a conquista brasileira, mas em outros não, inclusive onde pontificaria o tipo ideal weberiano sobre “democracia”, como a França em 1944, ao fim da II Guerra Mundial, e a Suíça em 1971, quando aqui a oposição chicoteava o AI-5. Mesmo na Inglaterra, “sufragista” em primeira mão, vige a Monarquia, como em outros países ditos “civilizados” ao ocidente, onde homens ou mulheres ainda hoje nem definem a chefia do Estado – sem falar de autocracias médio-orientais. Aqui, a revolução burguesa tardia e passiva cumpre uma tarefa democrática chave, antes que algumas europeias o fizessem.

Por fim, não se rebaixe o direito feminino em foco a uma simples identidade referenciada na coisa isolada, sem a transcendência do empirismo biocultural aos concretos abrangentes – classe, povo e nação –, com seus reflexos que instauram universalmente a hegemonia e impregnam os seus regimes políticos. Trata-se, pois, de conquistar liberdades fundamentais, que são de interesse para todos, sem compulsões fractais. Enfim, para os seres humanos como conjunto, seja no capitalismo, seja na passagem ao comunismo como alma social da política revolucionária, impregnando, respectivamente, a cidadania na relação do indivíduo com as instituições burguesas e a própria democracia socialista.

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