Por PRC—

As realizações da ultradireita

Durante os primeiros quatro meses de governo, o atual Presidente da República e o seu grupo reacionário, já dizendo claramente a que vieram, vêm cumprindo criteriosa e furiosamente, como se esperava desde as eleições, a sua plataforma de cunho antinacional, antidemocrático, obscurantista, conservador e antipopular.

Entregaram a política externa brasileira a uma seita de templários extemporâneos que, em nome de um ocidentalismo que beira o delírio, coloca o Oriente – expandido a nações fora da órbita estadunidense – como alvo de sua diplomacia missionária, desrespeitando povos e pisoteando a liturgia tradicional do Itamarati.

Aderiram à aventura golpista da Casa Branca contra as principais instituições venezuelanas, anunciaram a intenção de invadir militarmente o país vizinho e, afrontando a Constituição, disseram-se competentes para iniciar uma guerra agressora em lugar do Congresso Nacional, além de solicitarem ingresso na Otan.

Tentaram instalar uma base militar dos USA em território brasileiro, mas, perante uma resistência generalizada, optaram por ceder Alcântara em acordo ainda lesivo à soberania nacional, que proíbe intercâmbios com outros países, satélites nacionais, transferências tecnológicas locais e acesso a instalações sem permissão estrangeira.

Anunciaram o propósito ultraliberal de privatizar todas as empresas públicas, estatais e mistas, para entregá-las com preços aviltados a conglomerados monopolista-financeiros internacionais ou associados, a começar pela estratégica e valiosa Petrobrás, que tem seu patrimônio fatiado para uma venda solerte no seleto varejo.

Criaram obstáculos à exportação de produtos industriais, inclusive agropecuários, perdendo espaços importantes no mercado externo por se curvarem aos interesses geopolíticos norte-americanos e, por via de consequência, comprarem brigas sectárias e irresponsáveis com países árabes, orientais e até latino-americanos.

Envolveram instituições federais na cruzada anticomunista inspirada pelo astrólogo de Richmond, que se baseia em um irracionalismo sem limites, pratica um nacionalismo de fachada, manipula a bandeira brasileira – esvaziando-a de conteúdo real – e vê um marxista em qualquer democrata, progressista ou patriota.

Iniciaram uma caça às bruxas de inspiração macarthista nas instituições de ensino, violaram a autonomia universitária, censuraram a publicidade preparada pelo Banco do Brasil, estimularam intrigas contra alguns de seus próprios auxiliares e protegeram os seus cúmplices de alcova, demonstrando motivações autocráticas.

Assistiram, com dedos armados em gesto de pistolagem e proclamando a priorização da Segurança Pública, ao aumento de mortes por assassinato, à introdução de máfias milicianas em instituições públicas e à fuzilaria sobre favelas cariocas com a vexatória participação do governador em um helicóptero oficial.

Propuseram liberdade para latifundiários comprarem e portarem armas em suas propriedades ou territórios litigiosos, bem como — sob o disfarce de colecionadores ou esportistas — para falanges privadas manterem legalmente arsenais bélicos e munições, acobertados pelo subterfúgio de transportá-los em vias públicas.

Estimularam, camuflando os indícios que apontam para si mesmos, o chamado “pacote anticrime” – proposto com a pretensão de hipertrofiar as competências do justiceiro Moro e legalizar o direito de matar por critérios subjetivos –, mas silenciaram sobre as condições de salário e trabalho dos policiais e militares subalternos.

Atacaram – com pretextos de contingenciamento, propósitos privatizantes inconfessos e argumentos obscurantistas já explicitados, inclusive direcionados contra matérias humanísticas – as instituições públicas e federais de ensino, cortando entre 30% e 54% das verbas para as faculdades, as unidades básicas e o Fundeb.

Ignoraram – atolados até o pescoço nos dogmas da política econômica neoclássica e insensibilizados face aos dramas populares – o alongamento da crise cíclica, a proximidade do PIB ao zero, o perigo de recessão e o desemprego de 12,7% no primeiro trimestre, cifra que sobe a 30 milhões com desalentados e subocupados.

Cortaram 25% das verbas destinadas ao Censo Demográfico do IBGE, sinalizando que tentam passar uma borracha nos dados indispensáveis ao conhecimento referente à realidade brasileira, complementando assim o eclipse de pesquisa já projetado sobre os principais centros científicos, localizados nas universidades públicas.

Expeliram – ao estimularem a corrida pela aposentadoria e congelarem os concursos para cargos públicos – um terço do funcionalismo federal, agravando, portanto, a notória baixa qualidade dos serviços essenciais à população e até provocando casos de colapso, como já acontece nas áreas da educação e da saúde.

Mentiram sobre a Previdência Pública ao carimbarem-na de sustentada só pelos proletários ativos e ocultarem a mais-valia retirada do trabalho passado, bem como a taxarem de falida e privilegiante, visando a retirar direitos, desconstitucionalizar suas normas e impor a capitalização empresarial para o lucro dos magnatas.

Rejeitaram o critério antes vigente – que reajustava o salário mínimo acima da inflação, levando em conta o PIB e a produtividade – para iniciar um novo ciclo de arrocho com aumento zero e consequências nefastas para todos os trabalhadores, já que as diferentes faixas de remuneração sofrem influência do piso legal.

Perseguiram e tentam destruir os movimentos populares, destacadamente as entidades representativas dos trabalhadores – sindicatos, federações, confederações e centrais –, retirando-lhes os meios legítimos de financiamento, operando contra a sua unidade nas lutas e conspirando para eliminar completamente a unicidade.

Praticam o mais absurdo revisionismo histórico quando negam a singularidade própria do nazifascismo – igualando a concepção marxista sobre a sociedade às doutrinas ultranacionalistas do imperialismo em busca de “espaço vital” – e louvam o golpe de 1964, falsificando a tragédia que o regime militar causou ao povo brasileiro.

Por fim – longe de se esgotar a lista de medidas antipopulares –, aprofundaram os traços restritivos presentes na transição conservadora do regime ditatorial caduco ao democrático, visando a liquidar os direitos fundamentais e impor uma nova ordem institucional, mediante o predomínio de um arbítrio exclusivo e legalizado.

As forças que ocupam o Planalto

Embora sejam compreensíveis as manifestações espontâneas de inconformidade, a essência do Governo Bolsonaro, de suas medidas e atitudes, suas cabeçadas e indecisões, jamais poderá ser apropriada mediante categorias de senso comum, psicologia vulgar ou lemas fora de lugar – “canalhas”, “malucos”, “fascistas” –, nem por extrapolações abusivas, referentes a religiões e “raças”, nem se referindo a inimigos dessocializados que atacariam categorias universal-abstratas como “Estado Democrático de Direito” e “Democracia”, nem recorrendo a definições vulgares como “elite”, “classe média” e “populismo”. Deve-se ir mais fundo. Os militantes comunistas devem saber contra quem, em quais condições e para o quê lutam.

A resolução do Comitê Central, em novembro de 2018, frisou que a conformação do atual governo federal transcorre em um quadro internacional de forte reação política, inaugurada com a falência das experiências socialistas do Leste Europeu e capitaneada pelas forças mais conservadoras do espectro político mundial. As lutas proletário-populares se viram em uma defensiva generalizada. O substrato dessa conjuntura é a fase depressiva da onda econômica longa – no padrão elaborado por Kondratieff – instalada na primeira metade dos anos 1970.

A nova situação reagravou as contradições fundamentais do mundo contemporâneo, que há um século opõem os interesses imperialistas entre si, as grandes potências às nações dependentes e o capitalismo às forças do socialismo. O fracasso do projeto neoliberal desmoralizou a sua intenção original de reformar o Estado burguês, dinamizar a economia paralisada, retomar elevadas taxas de lucro e impor a matriz ideológica embutida no conceito de “globalização”. Assim, com as forças revolucionárias contidas, o caminho se abriu para um surto planetário de ultradireita.

Agora, passados alguns anos, enquanto as nações seduzidas pelo “Consenso de Washington” vivem dificuldades, as que o rechaçaram ou trataram com reservas vêm suportando melhor as turbulências. Alguns pregoeiros do mercado já estão adotando as práticas protecionistas que antes desprezavam. O declínio econômico do imperialismo estadunidense o induz, já em um quadro multipolar, a defender áreas de influência, buscar regiões perdidas e fomentar conflitos pelo controle de capitais, mercados e matérias-primas, colocando os governos dissonantes na mira, promovendo conspirações, ressuscitando intervenções e ameaçando a paz mundial.

No Brasil, o resultado do processo eleitoral encerrou a marcha golpista. Agora, existem agrupamentos direitistas no controle do Governo Federal, de importantes administrações estaduais, do Congresso Nacional e de parlamentos locais. O núcleo bolsonarista que ocupa o Palácio do Planalto representa a fração mais reacionária do capital monopolista-financeiro internacional, totalmente servil à geopolítica estadunidense. Se o seu caminhão começou a se mover, as abóboras continuam tentando acomodar-se: os cruzados do chefe maior ignoram as mediações e se pautam pelo tudo ou nada, pois disputam espaços contra os aliados e têm planos próprios.

Os bolsonaristas atacam certos militares dos escalões superiores que, em relativa diversidade, buscam profundar sua tutela metódica e institucional sobre o Estado do capital. No entanto, convivem, embora sem consenso absoluto, com os tecnocratas ultraliberais de Guedes e os puritano-punitivistas de Moro. Ocorre que precisam manter a conexão com a legião de fanáticos, cevada pelas demagogias eleitoreiras, e ainda fazer concessões aos partidos burgueses presentes na base governamental, do chamado “Centrão”, com seus anseios fisiológicos, às agremiações liberais antigas ou recentes, cujos parlamentares precisam de autonomia relativa.

Semelhante festival de cotoveladas e arreglos, que em nada fica devendo à tão injuriada política, tem por certo boas doses de individualismo, personalismo, destempero, despreparo, ambição e desvarios, mas opera no interior de uma lógica imposta pelas condições concretas da luta de classes e das angulações ideológicas interiorizadas nos agentes políticos. Basta lembrar o provincianismo vira-lata que marcou a visita do presidente a Washington e que deixou o Brasil envergonhado: se há um protofascismo nas práticas políticas, pontifica o mais sabujo entreguismo nas relações internacionais, que discrepa do xenofobismo mussolinista e hitleriano.

Ampla unidade para lutar melhor

O Governo Federal, para implantar o projeto que predomina no seu interior, tenta esmagar os partidos de esquerda e o movimento popular. A tática oficial persiste no confronto permanente para realizar objetivos parciais e manter a sustentação política. Todavia, enfrenta uma tarefa complexa. Na tentativa de desmoralizar o Estado Nacional, abdicar da soberania brasileira, entregar o patrimônio público, destruir direitos populares e suprimir o regime democrático, lida com as contradições internas das classes dominantes e suas frações. Ademais, já se depara com uma oposição aguerrida, fora e dentro dos parlamentos, impulsionada pelos setores populares e facilitada no topo, seja pelas contradições, seja pelo reduzido espaço negocial.

Lembre-se, ainda, que sua ambição de implantar uma hiperdependência em face da Casa Branca, de privatizar o patrimônio público, de eliminar os direitos fundamentais, de estrangular as liberdades civis, de suprimir as políticas sociais, de sabotar as funções estatais reguladoras, de oprimir desmedidamente as classes populares, de atacar frontalmente o mundo do trabalho e de aumentar a exploração ao proletariado esbarram nos dispositivos democráticos da Constituição atual, que se tornaram referências e pontos de apoio à resistência em todos os níveis e formas.

Portanto, a reação política tem pontos fracos, podendo ser derrotada em combates parciais e barrada em longo prazo. Para tanto, será preciso enfrentá-la por meio de uma tática adequada ao novo período da luta de classes – aberto com a derrota social-liberal e a escalada bolsonarista ao governo central – e particularmente à conjuntura: unificadora, ampla, refinada e capaz de conectar-se à realidade atual. Quando a correlação de forças pende à direita, urge superar a dispersão, aglutinar entidades representativas, elaborar uma plataforma comum, promover as lutas extraparlamentares de massa e unir as forças oposicionistas em uma larga frente democrática e progressista, inclusive na esfera institucional-eleitoral.

Ao sublinhar sua oposição ao Governo Federal, o Partido da Refundação Comunista conclama o conjunto das agremiações, setores e indivíduos comprometidos com o presente e o futuro do Brasil a se unir em um amplo movimento pela salvação nacional, pelas liberdades democráticas e pelos interesses populares, no combate à extrema-direita e ao seu projeto ultraliberal. Os ataques repressivos e aos direitos precisam ser respondidos com amplitude, envolvendo todo o espectro de pessoas, forças e instituições atingidas – inclusive agremiações e setores partidários –, bem como as iniciativas de cada segmento social específico. As provocações, o particularismo e o esquerdismo necessitam ser rechaçados.

Estão na ordem do dia os métodos habilidosos na abordarem dos grandes temas nacionais à luz das realidades locais, unificando-se as várias iniciativas em ações comuns e massivas. A resistência tem que frear os atos reacionários e bloquear os seus propósitos. Todos devem colocar os interesses do povo acima de assuntos e grupos específicos. Tal esforço passa pelo abandono de exclusivismos partidários, imposições particularistas e maiorias eventuais, assim como pela implantação de consensos, métodos e procedimentos próprios de uma frente, consubstanciando a síntese real, prática e respeitosa de seus componentes.

A ampla aliança democrática e progressista deve orientar e unificar ações nas lutas populares de massa e nas esferas institucionais, de modo a somar os segmentos que estejam em contradições globais, parciais ou mesmo pontuais com o projeto ultraliberal, extensivamente a todas as pessoas que se disponham a combater as medidas antipopulares do governo federal, mesmo em acordos limitados. Um importante cenário se aproxima: as eleições municipais de 2020. Também a disputa presidencial de 2022 deve entrar no radar. Concomitantemente, é preciso explorar as divergências e contradições internas das forças conservadoras, com acordos tópicos em cada embate.

A oposição ao governo federal e o combate à reação política se articularão mediante quatro eixos principais: a questão nacional, as liberdades democráticas, os direitos populares e a paz continental. A resistência precisa de uma plataforma que dialogue com a vida cotidiana, o imaginário dos “de baixo”, o trabalho de massas e os pontos avançados inscritos na Constituição de 1988. Assim, o PRC reitera, junto aos militantes, simpatizantes, aliados e ativistas avançados, a relevância dos seguintes pontos, entre outros, para unificar os brasileiros no combate comum que já começou e se fortalece:

– luta pela soberania nacional e pelo patrimônio público, contra os interesses do imperialismo estadunidense e dos grupos monopolista-financeiros;

– defesa das liberdades democráticas e civis, coletivas e individuais, contra os atos autocráticos e as diferentes formas de opressão ou discriminação;

– manutenção dos direitos populares e melhoria nas condições de vida para as maiorias sociais, contra a barbárie ultraliberal, o desemprego e o arrocho salarial;

– liberdade para Lula e punição aos assassinos de Marielle, contra a perseguição política, o punitivismo juristocrático e os grupos milicianos;

– paz na América do Sul, contra o planejado ataque militar de Trump à Venezuela e a tentativa bolsonarista de envolver as FFAA brasileiras na aventura.

Belo Horizonte, 12 de maio de 2019,

Comitê Central do Partido da Refundação Comunista – PRC/Brasil

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